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Minhas Crônicas

A Sinfonia Silente do Inconsciente: Reflexão sobre a Música como Linguagem do inconsciente

2 de novembro de 2023 — por Roberto Marinho0

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A música, queridos leitores, é como um portal secreto para o território das sombras, onde reside o nosso insconsciente, aquele vasto oceano de pensamentos e emoções que não ousamos trazer à tona na luz do dia. As notas musicais, a melodia, a harmonia e o ritmo nos conduzem por caminhos que nossa mente consciente mal ousa percorrer. Elas sussurram verdades escondidas, segredos inconfessáveis, e nos permitem explorar territórios da alma que nossa voz e nossas palavras jamais ousariam habitar.

Quantas vezes, nos encontramos cantando junto com uma canção, sem ao menos refletir sobre o significado profundo das palavras? “Eu nasci assim, eu cresci assim, vou sempre assim… sempre Gabrielaaaaa!” É como um mantra que podemos repetir sem cessar, sem entender completamente o que estamos afirmando. É uma postura diante da vida, uma afirmação de identidade, mas será que realmente compreendemos quem somos, onde estamos e até onde não somos?

Freud, o grande explorador das profundezas da mente humana, já nos alertava que “Existo onde não penso”. Essa é a semente da psicanálise, a noção do inconsciente, o guardião de nossa verdadeira identidade, aquilo que está escondido nas sombras de nossa psique. E Lacan, mais tarde, aprofundou essa ideia ao proclamar: “Sou onde não penso, penso onde não sou”. Aqui, ele nos convida a mergulhar nas águas escuras do inconsciente, onde somos, mas não sabemos que somos, onde pensamos, mas não sabemos que pensamos.

Lacan nos desafia a questionar a própria consciência, essa ilusão que muitos consideram como o centro de seu universo, o controlador de pensamentos e desejos. Mas na verdade, somos marionetes, e nosso titereiro é o inconsciente, aquele mestre das sombras que manipula nossos fios invisíveis. Nossa linguagem, nossos pensamentos, tudo isso são camadas que escondem o verdadeiro eu, como as bonecas russas, onde cada camada revela uma parte mais profunda de nossa psique.

Então, não se iluda com a ideia de um “Ser pensado”. O pensar não garante a existência, e a falta de garantias permeia tanto o Ser como o pensar. A música, com suas melodias misteriosas, nos lembra que somos muito mais do que nossas palavras e pensamentos conscientes, e que a verdadeira jornada do autoconhecimento nos leva a explorar os territórios sombrios do insconsciente, onde a música da alma ecoa em notas desconhecidas.

Portanto, te convido a buscar a sua própria melodia, aquela que ressoa com a sua essência, que te faz sentir vivo e conectado com o mistério da vida. Deixe-a te guiar nas trilhas secretas do seu ser, e quem sabe, você descubra que a música tem muito a dizer sobre quem você é e quem você pode vir a ser. É assim que ela sussurra os segredos mais profundos da nossa existência, nas notas que ecoam para além do tempo e do espaço.

Um abraço,
Roberto Marinho – Publicitário e Psicanalista

Minhas Crônicas

MINHA BIKE, MEU DIVÃ

2 de novembro de 2023 — por Roberto Marinho0

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Numa espécie de dança terapêutica dos pedais, encontro boas reflexões sobre minha bike e um divã. Na verdade, há algo de mágico em pedalar, uma sensação transcendental que se desdobra sobre mim enquanto o vento sussurra aos meus ouvidos. Poderia ser sobre os patins, mas é a bicicleta que evoca em mim uma sensação profunda, comparável àquela que se sente ao se deitar em um divã.

Numa dessas sessões, compartilhei com meu analista uma pequena anedota: “Lucas, percorri 56 quilômetros de bicicleta”. Num tom leve e despretensioso, deixei escapar que montar de bicicleta me traz uma sensação de sessão de psicanálise. É sobre ter tempo de qualidade para deixar a mente vagar. Quase tudo… pois muitas coisas não surgem elaboradas enquanto se pedala ou patina. Não é só felicidade, devaneios e o vento no rosto. Às vezes, pensamentos indesejados e pessoas indesejadas também aparecem, afinal, quem não as tem?

Durante um dos meus trajetos de treino, foram 56 quilômetros de estrada, com desafios, subidas extenuantes e descidas emocionantes, onde o meu eu infantil grita de alegria, e poucas curvas. Curiosamente, nas subidas, quando sou mais desafiado e o desconforto se torna presente, é quando os pensamentos mais recorrentes e perturbadores na vida me rodeiam. Às vezes, até questões existenciais se manifestam, evocando a melodia da canção de Chico Buarque: “O que será, que será… O que não tem certeza, nem nunca terá, o que não tem conserto, nem nunca terá, o que não tem tamanho”.

Penso que a bicicleta pode ser uma metáfora da liberdade e da essência vital do ser humano, em busca do amor e da necessidade de tê-lo, como retratado de maneira brilhante no filme “O Garoto da Bicicleta”, de Jean-Pierre e Luc Dardenne. Nessa obra, a bicicleta é o objeto de afeto do menino, representando liberdade, afeto e recomeço. Como os personagens desse filme, que anseiam por uma conexão mais profunda, eu também me encontro na busca por algo mais, enquanto as rodas giram.

Refletindo sobre minha própria bicicleta, percebo que enquanto sustenta o peso do meu corpo, ela também liberta as pernas para sonhar e explorar tanto a imaginação quanto o mundo ao redor. Os olhos, como espelho da alma, refletem as paisagens internas e externas, levando-me em uma jornada que se entrelaça entre o interior e o exterior, um movimento contínuo que os pedais giratórios entendem tão bem.

A lição mais valiosa que aprendi com as minhas pedaladas é olhar para frente. A bagagem da vida, com suas dores, acertos e erros, pesa menos do que a incerteza do futuro e a falta de vontade de olhar para trás. Não se trata de negar o passado, mas de abraçar a incerteza com paciência e coragem. Como em uma sessão de psicanálise, vou desvendando caminhos, um pedal de cada vez, um dia de cada vez.

Lembro-me de um encontro especial com um colega, o saudoso Otávio Totes, onde trocamos experiências sobre nossos objetos de devoção, eu com a bicicleta e ele com a prancha de surfe. Surpreendentemente, ele compartilhou da minha visão, sentindo-se verdadeiramente em um divã enquanto deslizava sobre as ondas, refletindo sobre suas próprias questões pessoais.

Assim como a terapia, a bicicleta se revela como um refúgio, um lugar onde desaparecemos quando queremos e nos encontramos quando precisamos. É uma jornada que se desdobra a cada pedalada, um lembrete constante de avançar em direção ao desconhecido com paciência e determinação. Um pedal de cada vez, um dia de cada vez. Pedale !

Um abaço, Roberto Marinho – Publicitário e Psicanalista